Os danos de geada: conceitos, mecanismos e modelos de simulação

J. P. De Melo-Abreu

A geada consiste na ocorrência de uma temperatura do ar inferior a 0 ºC, medida em abrigo meteorológico apropriado a uma altura de 1,5 m. Nestas condições microclimatológicas, os órgãos vegetais perdem muito calor, ficando as suas temperaturas próximas das do ar, embora mais baixas um ou dois graus Celsius, na generalidade dos casos. As soluções aquosas presentes nos tecidos vegetais, em regra, não congelam imediatamente quando as temperaturas destes tecidos são mais baixas do que as temperaturas a que pode ocorrer essa congelação, olhando apenas para o seu potencial osmótico: verifica-se, então, o fenómeno da sobrefusão. Se as temperaturas continuarem a descer, a congelação é inevitável. Congelam, então, as soluções extracelulares, que têm um potencial osmótico mais alto (pressão osmótica mais baixa). Uma vez iniciada a congelação extracelular, a água começa a sair das células em resposta a um gradiente de potencial químico. Os protoplastos sofrem, assim, uma desidratação que pode levar a danos irreversíveis. Pode ocorrer desnaturação de proteínas nucleares, transição de fase das membranas celulares, e até a perfuração destas membranas pelos cristais de gelo, nos tecidos das plantas mais sensíveis. A congelação intracelular, se existir na natureza, deve restringir-se aos tecidos mais sensíveis e às taxas de descida da temperatura mais elevadas.

Algumas plantas desenvolveram mecanismos de evitação e/ou tolerância à congelação. Por isto, existe muita variabilidade entre espécies/variedades vegetais no tocante à resistência às geadas. A mesma planta/tecido tem resistência diferenciada de acordo com o seu estado de desenvolvimento, grau de aclimatação, e concentração de nucleadores do gelo nas suas superfícies. Este último factor pode ter uma grande importância. Existem bactérias que são activas na nucleação do gelo e que podem ocorrer em concentração variável de acordo com o microclima, tipo de cobertura do solo, operações culturais realizadas. Altas concentrações podem elevar a temperatura de congelação em alguns graus Celsius.

Em termos operacionais, interessa saber calcular a temperatura dos órgãos vegetais e conhecer a temperatura crítica para a fase fenológica em que se encontram as plantas. As folhas, flores e frutos, em noites de geada de radiação, podem estar a uma temperatura até 2 ºC mais baixa do que a temperatura do ar, podendo-se modelar a temperatura desses órgãos com base no seu balanço energético. Um exemplo dum tal modelo será apresentado.

Um modelo que permite calcular os danos por geada, por confrontação das temperaturas do ar com as temperaturas críticas de forma dinâmica e atendendo aos estados fenológicos, foi desenvolvido por nós. Entra-se com as temperaturas máximas e mínimas diárias relativas ao maior número de anos que for possível, com as datas médias de ocorrência dos estados fenológicos relevantes, e com as temperaturas críticas que provocam 10 % e 90 % de danos. O modelo calcula os valores médios dos prejuízos e a sua distribuição estatística, e quebras de produção relacionadas.